Por Barbara Demerov | AdoroCinema
J. K. Rowling criou um universo literário que posteriormente foi muito bem abordado nos cinemas através da saga de Harry Potter. No entanto, a escritora não está nem perto de finalizar suas histórias. Em Animais Fantásticos, franquia que não tem como base apenas um personagem específico, outra fase do tão querido universo mágico que Rowling criou está em destaque – e o elo entre dois mundos diferentes que se complementam nunca esteve tão forte. Por mais que seja apenas o segundo capítulo de cinco, Os Crimes de Grindelwald insere uma trama sombria e complexa, conversando de forma mais direta com a realidade que Potter viveu décadas depois.
O personagem que ganha o destaque no título é ninguém menos que Gerardo Grindelwald, bruxo que possui uma forte ligação com o professor Alvo Dumbledore e que, posteriormente, o enfrentou em um duelo que o mundo mágico avalia como o maior de todos os tempos. A amizade e as diferenças entre ambos começam a ser exploradas com consideração neste capítulo e entregam uma parcela de curiosidade em relação ao passado. O contexto deste arco já foi muito comentado por Rowling e foi iniciado de maneira interessante. O roteiro (assinado pela escritora) também conduz arcos diversificados e que podem parecer isolados em um primeiro momento, mas levam a crer que terão ainda mais aproveitamento no futuro. Existe certa confusão ao tratar de tantos assuntos em apenas um capítulo, mas a conversa entre todos os lados da história está presente, mesmo que soe mais como um sussurro.
Exceto por Grindelwald, Dumbledore e Hogwarts, o roteiro não arrisca muito a explorar elementos novos, aproveitando, assim, a vastidão do que já foi exibido anteriormente. Assim como em Animais Fantásticos e Onde Habitam, há belas cenas em que são exibidas criaturas dos mais diferentes locais (inclusive, há uma originada do Japão e outra da América Latina), mas em menor escala. Tais momentos servem como um respiro à narrativa e não atrapalham seu andamento, que desde o princípio já é densa e carregada pela presença de Grindelwald. A saga Harry Potter ganha mais destaque a partir de agora, entregando fragmentos (seja na forma de palavras, personagens, objetos, feitiços ou ambientes) de nostalgia em ocasiões específicas. Felizmente, tal aproveitamento não é mal executado: Hogwarts, com toda sua grandiosidade física e afetiva, dá uma sensação familiar, enquanto o Dumbledore de Jude Law transfere vivacidade e personalidade, entregando um retrato próximo com o que ele se tornou quando mais velho.
Ao mesmo tempo em que o roteiro utiliza artifícios interessantes para desenvolver sua dramaticidade, ele transforma Newt Scamander (Eddie Redmayne) e Tina Goldstein (Katherine Waterston) em coadjuvantes. Newt tem um papel mais curioso em Os Crimes de Grindelwald, pois também pode ser visto como observador de tudo o que se sucede neste segundo capítulo. Ao mesmo tempo em que nos apresenta mais criaturas e cativa com sua presença doce, ele também observa silenciosamente as mudanças que Grindelwald está introduzindo no mundo bruxo. Newt representa uma chance de atitude necessária e primordial para a atual situação abordada: a de tomar um lado e agir seguindo crenças e ideais. Tina, que na linha do tempo se tornará esposa de Newt, anda pelo mesmo caminho e prova a boa aplicação de realidade que Rowling insere em suas ficções.
Dentre os novos personagens estão o irmão de Newt, Nicolau Flamel (apenas citado em Harry Potter e a Pedra Filosofal) e Nagini (que ainda se encontra longe de ser a cobra de Voldemort), mas a mais interessante é Leta Lestrange (Zoë Kravitz), que possui não só mais atenção como também relevância. Sua família, tão abordada na saga Harry Potter, ganha novos traços e uma nova abordagem devido à sua personalidade, destoada de seus futuros parentes. Quanto aos outros arcos firmados estão os dos já conhecidos Queenie (Alison Sudol) e Credence (Ezra Miller), que inserem bastante intensidade ao tratar o tema da identidade como combustíveis para suas ações. Ambos fazem parte dos twists narrativos que mais impressionam e reforçam até onde J. K. Rowling quer chegar. A questão, especialmente com relação a Credence, é até onde ela deveria ir – pois neste caso é onde residem algumas fragilidades.
Os discursos políticos e sociais de Grindelwald formam outro ponto-chave da produção e certamente serão mais trabalhados nos próximos capítulos. A boa notícia é que, apenas neste filme, já é possível entender (mesmo de modo amplo) os motivos do comportamento do vilão. Tudo indica que os três longas futuros darão mais chão no que se refere ao que Grindelwald almeja, tais como motivações mais aprofundadas. O fato é que ele sabe muito bem como induzir seus potenciais seguidores a pensarem diferente e seguirem seu raciocínio – por mais que dê apenas um panorama geral da realidade que ele acredita ser a verídica. Ao contrário de Voldemort, que era violento em suas palavras e atos, o Grindelwald de Johnny Depp é tão esperto quanto meticuloso pois sabe exatamente qual será o peso de suas palavras. Sua persuasão pode parecer sutil aos olhos de alguns, mas é bem mais poderosa do que os feitiços que profere.
Em meio a um deslumbrante resultado técnico e visual, Os Crimes de Grindelwald faz um excelente trabalho ao adentrar ainda mais em sua mitologia e abrir interpretações para discussões que se conectam com nosso mundo real. Contudo, há certo limite em buscar a homenagem e explorar a grandeza deste universo simultaneamente, pois as escolhas criativas podem interferir bastante no futuro. Com um desfecho surpreendente e ao mesmo tempo sem muita sustentação, é curioso pensar nos rumos desta franquia. Se há alguns anos Rowling nos ensinou que mudar o passado pode trazer graves consequências, tudo o que certamente deve acontecer nesta franquia irá afetar a linha do tempo como um todo (principalmente os fãs). É certo que nada que acontecer em Animais Fantásticos mudará os fatos de Harry Potter, mas de toda forma há coisas que não precisam ser modificadas – até mesmo este passado que estamos conhecendo mais a fundo.
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