Por Rodrigo Scharlack | Observatório do Cinema
Com a missão de continuar Animais Fantásticos e Onde Habitam e estabelecer de vez a franquia Wizarding World, derivado das aventuras de Harry Potter, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald chega aos cinemas. A franquia escolheu se fundar em forma de prequela, se arriscando da mesma forma que a segunda trilogia de Star Wars ou a de O Hobbit, que antecede os filmes de O Senhor dos Anéis. Dessa forma, o longa comete alguns dos mesmos erros ao mudar o até então cânone para agradar velhos fãs e angariar novos. Ainda assim, acertos estão presentes na película.
Animais Fantásticos e Onde Habitam, por mais que deixe portas abertas para uma continuação, é um filme que se fecha bem. De certa forma, pode ser comparável ao primeiro longa da franquia passada, Harry Potter e a Pedra Filosofal. Não obstante, a primeira coincidência que encontramos com a trilogia de O Hobbit acontece quando a Warner se baseia em um livro para contar muito além de sua história na literatura. Uma abordagem interessante, que se mostra nitidamente como um teste um tanto tímido para os que fãs, intitulados Potterheads, se mostrassem ou não a favor do que poderia acontecer. Passado o teste, o resultado não poderia ser industrialmente outro se não o que vimos em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald.
Ousado com as suas próprias influências, o longa mostra que a produção, a partir de agora, perdeu o medo do uso de easter-eggs e de alterar seus próprio cânone de universo expandido. Diferente dos outros filmes, a franquia não tem necessidade de respeitar um livro próprio. Ao que parece, pouco tem cuidado para com os livros de onde oriunda seu universo. Contudo, não parece atravessar tanto aquilo se viu no cinema. Ainda, muito do que se mostra necessita de um conhecimento no mínimo medíocre do universo, como saber que magia apresenta um raio verde ou entender como funciona um bicho-papão, mesmo que o último quase se explique no filme. Assim, o longa se mostra corajoso ao levar para as telonas o que pode ser considerado uma faca de dois gumes. Dessa vez, o filme traz inúmeras referências, sendo uma boa parte delas interessantes.
Um personagem que já foi citado, mas nunca apareceu, dá as caras no longa. Interpretado por Brontis Jodorowsky, é o melhor exemplo dentro do filme para se destacar o bom uso de seu cânone. Já a personagem de Fiona Glascott aparece de forma um tanto jogada, como que para acariciar o ego dos Potterheads, com o que se chama de fan service. No entanto, é possível que, havendo uma boa reação do público, Fiona deva voltar para o universo, que já tem pelo menos mais três produções confirmadas, com um destaque maior. O próprio anúncio de Dumbledore e Hogwarts de volta ao filme é um prenúncio de que a franquia ficaria mais familiar ao público, sem medo de correr os riscos necessários para ligar seus filmes aos Harry Potter originais.
Um dos piores usos desses easter-eggs acaba ficando pelo uso do Espelho de Ojesed. A cena rápida na qual o objeto aparece fica sem função de fato quando tudo que vimos nele acaba sendo explicado pelas personagens no final. Ao mesmo tempo, seu uso é incorreto de acordo com o que é ensinado no primeiro filme que trouxe o Mundo Bruxo para o cinema. Os fãs mais atenciosos poderão perceber que ela, de certo modo, modifica bastante o arco de Alvo Dumbledore. Uma semente que foi plantada em A Pedra Filosofal e que floresceu perfeitamente em As Relíquias da Morte se perde, e não deve ser o último dos retcons que Animais Fantásticos deve trazer.
Se algo, além das bilheterias, poderia justificar o retorno desse universo, esse algo seriam as novas tecnologias. Apesar de até mesmo o primeiro longa, em 2001, ainda não ser de forma alguma datado pelos efeitos especiais, o que se vê na tela do cinema agora é impressionante. O público saberá quando há o uso de efeitos especiais somente por estar acostumado ao mundo real, já que seu uso é tão bem aplicado que fica efetivamente difícil de distingui-los da realidade. Em alguns momentos, a cena fica tão repleta da magia do Mundo Bruxo que, se o espectador focar em demasiado em algum ponto, perderá tantos outros que acontecem, principalmente em cenas de transição.
Se a produção no geral é praticamente impecável, a direção de David Yates pouco se mostra. Dirigindo esse universo desde Harry Potter e a Ordem da Fênix, Yates sabe bem o que está fazendo, mas de forma alguma imprime qualquer tipo de marca no produto. Todavia, há de se notar que todos os atores tem no mínimo um bom desempenho, o que pode ser creditado ao diretor. É difícil escolher um entre tantos destaques, mas o quarteto principal do filme anterior, formado por Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Dan Fogler e Alison Sudol está ótimo no longa. Fogler, especialmente, chega ao nível da excelência cômica dentro do que lhe é dado. Outros destaques necessários de se fazer ficam por conta das atuações de Zoë Kravitz, que tem uma ótima personagem para trabalhar e Ezra Miller, que da mesma forma, acaba se sobressaindo menos pelo menor tempo de tela.
A chegada de Jude Law como Alvo Dumbledore é bastante interessante. Sua primeira cena traz uma atuação banhada na calma e serenidade que havia na de Richard Harris quando interpretou a mesma personagem. Infelizmente, ela chega a ficar fora de tom, levando em conta que em todo o resto de suas cenas, Law traz o seu próprio Dumbledore. Este foge da tal calmaria de Harris, ao mesmo tempo em que não chega na afobada agilidade que Michael Gambon trouxe para o papel. Assim, Law consegue imprimir a sua marca, respeitando a personagem e mostrando uma faceta nova e interessante para os fãs.
Johnny Depp, dessa vez com muito mais tempo, também dá um bom tom para sua personagem. Fugindo do maniqueísmo que se apresentava em Voldemort, Grindelwald mostra em seu discurso ao final do longa do que é capaz com seu carisma e inteligência. Um problema pode ficar por conta disso, já que o vilão deveria ser uma ameaça menor do que o antagonista de Harry Potter. Pelo contrário, um Grindelwald no auge se mostra mais eficaz na magia e com ainda mais seguidores do que jamais vimos Voldemort ter. Dentro do filme como peça única, a personagem funciona muito bem e sabe justificar magnificamente seu plano, usando a Primeira Guerra Mundial como argumento final em seu plano de assumir o controle do mundo dos trouxas. Nesse ponto, é muito interessante a analogia possível de se fazer entre Grindelwald e os líderes dos governos fascistas da Segunda Guerra. Ainda, como todo o envolto de sua cena principal traz referências ao nazismo alemão.
O final de Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald chega a ser desapontador por dois motivos. O primeiro é um possível total descaso com o cânone que foi apresentado, mas que pode se mostrar uma artimanha mais futuramente. Outro, intrínseco, é a nítida sensação de uma continuação que, por mais que já tenha sido anunciada, não deveria ser tão explícita quando se propõe um filme que tem um arco principal que se fecha. Porém, essa não é uma exclusividade dentro da franquia, e pode não incomodar os fãs. No geral, o longa é melhor do que Animais Fantásticos e Onde Habitam, mas deixa expostas falhas dentro da franquia e da própria trama individual.
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